SOBRE O PROJETO:

Trata-se de um projeto em que várias plataformas se juntam para a construção de material áudio-visual, plástico e textual, que se integrarão dentro de um blog na internet, com acesso aberto. O material audiovisual – curtas que se entrelaçam montando um quebra-cabeças de episódios – também está destinado a festivais, mostras e outros meios . (Leia mais em "Proposta-Base")

Obra Aberta: Todos são convidados a enviarem textos, idéias, referencias, fotografias, vídeos, que possam compor o material final.

Para leerlo en castellano: http://proyectoviajeros.blogspot.com

POSTAGENS:
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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

FRONTEIRAS

"Estou dando aulas de literatura nas bibliotecas do interior de são paulo. hoje, entre os alunos, havia uma menina autista. não tinha percebido nada, foram as outras que me avisaram. nós já tínhamos conversado e ela me disse que tinha prestado vestibular para veterinária, não tinha passado e tinha ficado muito triste. precisava fazer quarenta e cinco pontos e tinha feito vinte e nove. depois que me avisaram de seu autismo, fiquei reparando num sorriso fixo em seu rosto, na voz que parecia artificial, como se ela fizesse força para falar. pedi que todos escrevessem uma crônica. quando chegou a vez dela, ela disse: vou falar sobre fronteiras. e começou: quero atravessar fronteiras, lutar com dragões, ultrapassr os caminhos, ir para onde ninguém foi. fiquei olhando. em que fronteira eu estou, estava, para dizer alguma coisa a ela? espantosamente, foi ela que me colocou do lado de lá de seu país de sorriso fixo e foi a minha fala que não soava mais de verdade."

Noemi Jaffe, em seu blog, "Quando nada está acontecendo".

http://nadaestaacontecendo.blogspot.com/

terça-feira, 3 de novembro de 2009

FAMAS E CRONÓPIOS DE VIAGEM

Cuando los famas salen de viaje, sus costumbres al pernoctar en una ciudad son las siguientes: Un fama va al hotel y averigua cautelosamente los precios, la calidad de las sábanas y el color de las alfombras. El segundo se traslada a la comisaría y labra un acta declarando los muebles e inmuebles de los tres, así como el inventario del contenido de sus valijas. El tercer fama va al hospital y copia las listas de los médicos de guardia y sus especialidades.
   
Terminadas estas diligencias, los viajeros se reúnen en la plaza mayor de la ciudad, se comunican sus observaciones, y entran en el café a beber un aperitivo. Pero antes se toman de las manos y danzan en ronda. Esta danza recibe el nombre de "Alegría de los famas".
 
Cuando los cronopios van de viaje, encuentran los hoteles llenos, los trenes ya se han marchado, llueve a gritos, y los taxis no quieren llevarlos o les cobran precios altísimos. Los cronopios no se desaniman porque creen firmemente que estas cosas les ocurren a todos, y a la hora de dormir se dicen unos a otros: "La hermosa ciudad, la hermosísima ciudad". Y sueñan toda la noche que en la ciudad hay grandes fiestas y que ellos están invitados. Al otro día se levantan contentísimos, y así es como viajan los cronopios.
  
Las esperanzas, sedentarias, se dejan viajar por las cosas y los hombres, y son como las estatuas que hay que ir a verlas porque ellas ni se molestan.


"Sobre Cronópios e Famas", Júlio Cortazar

Texto enviado por Chico Cremonese.

sábado, 31 de outubro de 2009

SININHOS

"Dean sentou-se no chão com uma caixinha de música e ouviu com enorme surpresa a pequena canção que ela reproduzia, A Fine Romance. - 'Ah, esses sininhos cintilantes! Ouçam! Vamos todos ajoelhar e olhar no centro dessa caixinha de música até aprendermos o seu segredo - sininhos cintilantes, oooh.'. Ed Dunkel também estava sentado no chão, com as minhas baquetas de bateria nas mãos; subitamente começou a marcar o ritmo, acompanhando a música que saía da caixinha e que mal conseguíamos ouvir. Todos prenderam a respiração para escutar. 'Tic...tac... tic-tic... tac-tac.' Dean botou a mão em concha no ouvido, boquiaberto; ele disse: 'Ah! Uau!'.

Carlo observava esta tolice com olhos incisivos. Finalmente deu um tapa no joelho e disse: 'Tenho algo a declarar'.

'Sim? Sim?'

'O que significa essa viagem a Nova Yorque? Em que espécie de negócio sujo estais metido agora? Quer dizer, cara: onde pansais que ides neste carro reluzente pela noite da América?'

'Onde pensais que ides?', repetiu Dean, de boca aberta. Sentamos sem saber o que dizer; já não havia mais nada a ser dito. A única coisa a fazer era se mandar."



Trecho de "On The Road", de Jack Kerouac.



quarta-feira, 30 de setembro de 2009

QUANTO CUSTA SER IGNORANTE?

Por que pois buscar
Sistemas vãos de vãs filosofias
Religiões, seitas, [voz de pensadores],
Se o erro é condição da nossa vida
A única certeza da existência?
Assim cheguei a isso: tudo é erro,
Da verdade há apenas uma idéia
A qual não corresponde realidade
Crer é morrer, pensar é duvidar;
A crença é o sono e o sonho do intelecto
Cansado, exausto, que a sonhar obtém
Efeitos lúcidos do engano fácil
Que antepôs a si mesmo, mais sentido,
Mais [visto] que o usual do seu pensar
A fé é isto: o pensamento
A querer enganar-se-eternamente
Fraco no engano, [e assim] no desengano;
Quer na ilusão, quer na desilusão.

Fernando Pessoa
Primeiro Fausto, Segundo Tema, “O Horror de Conhecer”

terça-feira, 22 de setembro de 2009

SOBRE O NÃO-LUGAR

Você mora onde mora, faz o seu trabalho, você fala o que fala, come o que você come, veste as roupas que veste, olha as imagens que vê. Você vive como pode viver, você é quem você é. Identidade de uma pessoa, de uma coisa, de um lugar. Identidade. Só a palavra já me dá calafrios. Ela lembra calma, conforto, satisfação. Mas o que é a identidade? Conhecer o seu lugar? Conhecer o seu valor? Saber quem você é? Como reconhecer a identidade? Criamos uma imagem de nós mesmos e estamos tentando nos parecer com essa imagem. É isso que chamamos de identidade? A reconciliação entre a imagem que criamos de nós mesmos e... nós mesmos? Nós moramos nas cidades, as cidades moram em nós. O tempo passa... Mudamos de uma cidade para outra, de um país para outro. Trocamos de idioma, trocamos de hábito, trocamos de opinião, trocamos de roupa, trocamos tudo, tudo muda e rápido, sobretudo as imagens. Elas mudam cada vez mais rápido e se multiplicam num ritmo infernal desde a explosão que desencadeou as imagens eletrônicas, as mesmas imagens estão substituindo a fotografia. Aprendemos a confiar na imagem fotográfica. Podemos confiar na eletrônica? No tempo da pintura tudo era simples: o original era único e toda cópia era uma cópia, uma falsificação. Com a fotografia e o cinema a coisa começou a se complicar. O original era um negativo. Sem uma ampliação, só existia o oposto. Cada cópia era o original. Mas agora, com a imagem eletrônica e com a digital, não existe mais negativo. Nem positivo. A própria idéia de original ficou obsoleta. Tudo é copia. Não admira que a idéia de identidade esteja enfraquecida. A identidade está fora. Fora de moda.

Win Wenders.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A VIAGEM FLUVIAL

Imaginai uma viagem fluvial. O barqueiro, da nascente ao estuário, segue o fluxo das águas. Esse percurso começa? Termina? O barqueiro acha que é e assim vê: e na verdade há uma face do percurso onde o começo e o fim existem, onde existe uma leitura ou execução da viagem. Há uma face da viagem onde o passado e futuro são reais; e outra, não menos real e mais esquiva, onde a viagem, o barco, o barqueiro, o rio e a extensão do rio se confundem. Os remos do barco ferem de uma vez todo o comprimento do rio; e o viajante, para sempre e desde sempre, inicia, realiza e conclui a viagem, de tal modo que a partida na cabeceira do rio não antecede a chegada no estuário.

Osman Lins em "Avalovara"

Texto enviado por Leda Cartum

AMOR E COBIÇA

"Nosso amor ao próximo - não é ele uma ânsia por nova propriedade? E igualmente toda ânsia por novidades? Pouco a pouco nos enfadamos do que é velho, do que possuimos seguramente, e voltamos a estender os braços; ainda a mais bela paisagem não estará certa do nosso amor, após passarmos três meses nela, e algum litoral longínquo despertará nossa cobiça: em igual, as nossas posses são diminuídas pela posse. Nosso prazer conosco procura se manter transformando algo novo em nós mesmos - presisamente a isto chamamos possuir."

F. Nietzsche, "A Gaia Ciência"

GALÁXIAS

"(...) quando se vive sob a espécie da viagem o que importa não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a escritura para começar com a escritura par acabarcomeçar com a escritura por isso recomeço por isso arremeço por isso teço escrever sobre escrever é o futuro do escrever sobrescrevo sobrescravo em milumanoites miluma-páginas ou uma página em uma noite que é o mesmo noites e páginas mesmam ensimesmam onde o fim é o comêço onde escrever sobre o escrever é não escrever sobre não escrever e por isso começo descomeço pelo descomêço desconheço e me teço um livroonde tudo seja fortuito e forçoso um livro onde tudo seja não esteja seja um umbigodomundolivro um umbigodolivromundo um livro de viagem onde a viagem seja o livro o ser do livro é a viagem por isso começo pois a viagem é o começo (...)"


Trecho de "Galáxias", de Haroldo de Campos.

Enviado pelo amigo à revelia, Lucas Botelho.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

As Cidades Invisíveis

-- Os outros embaixadores me advertem a respeito de carestias, concussões, conjuras; ou então me assinalam minas de turquesa novamente descobertas, preços vantajosos nas peles de marta, propostas de fornecimento de lâminas adamascadas. E você? -- o Grande Khan perguntou a Polo:-- Retornou de países igualmente distantes e tudo que tem a dizer são os pensamentos que ocorren a quem toma a brisa noturna na porta de casa. Para que serve, então, viajar tanto?


-- É noite, estamos sentados nas escadarias do seu palácio, inspire um pouco de vento - respondeu Marco Polo. -- Qualquer país que as minhas palavras evoquem será visto de um observatório como o seu, ainda que no lugar do palácio real exista uma aldeia de palafitas e a brisa traga um odor de estuário lamacento.

-- O meu olhar é de quem está absorto e medita, admito. Mas e o seu? Você atravessa arquipélagos, tundras, cadeias de montanhas. Seria melhor nem sair daqui.

O veneziano sabia que, quando Kublai discutia, era para seguir melhor o fio de sua argumentação; e que as suas respostas e objeções encontravam lugar num discurso que ocorria por conta própria na cabeça do Grande Khan. Ou seja, entre eles não havia diferença se questões e soluções eram enunciadas em alta voz ou se cada um dos dois continuava a meditar em silêncio. De fato, estavam mudos, os olhos entreabertos, acomodados em almofadas, balançando nas redes, fumando longos cachimbos de âmbar.

Marco Polo imaginava responder (ou Kublai imaginava a sua resposta) que, quanto mais se perdia em bairros desconhecidos de cidades distantes, melhor compreendia as outras cidades que havia atravessado para poder chegar lá, e reconstituía as etapas de suas viagens, e aprendia a conhecer o porto de onde havia zarpado, e os lugares familiares de sua juventude, e os arredores de casa, e uma pracinha de Veneza em que corria quando era criança. Neste ponto, Kublai Khan o interrompia ou imaginava interrompe-lo ou Marco Polo imaginava ser interrompido com uma pergunta como:-- Você avança com a cabeça voltada para trás? -- ou então: -- O que você vê está sempre às suas costas? -- ou melhor: -- A sua viagem só se dá no passado?Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos.Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.

-- Você viaja para reviver o seu passado? -- era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira -- Você viaja para reencontrar o seu futuro?E a resposta de Marco:

-- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá.






"As Cidades Invisíveis", Ítalo Calvino.


Enviada por Carolina Castanho

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

SOBRE O CHOQUE ENTRE GERAÇÕES:

Existe uma relação entre o antes e o depois que os desloca e os põe no lugar do outro. Isso cria o Afeto: a relação pela repetição. O Afeto prescede o aqui e o agora, se dá pela repetição da história em tempos e espaços distintos. É ir do trágico ao cômico.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009



"Zabrieskie Point", M. Antonioni

domingo, 26 de julho de 2009

"(...) porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante - pop! - pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos 'aaaaaaah!'. Como é mesmo que eles chamavam esses garotos na Alemanha de Goethe?"

Jack Kerouac, "On The Road".

sexta-feira, 24 de julho de 2009

PROPOSTA-BASE

De um projeto já pré-existente no Brasil, coordenado por mim e por Luiza Lian, surgiu a idéia para isso. O Projeto Viajantes trata de um projeto em que várias plataformas se juntam para a construção de material áudio-visual, plástico e textual, que se integrarão dentro de um blog na internet, com acesso aberto. O material audiovisual – curtas que se entrelaçam montando um quebra-cabeças de episódios – também está destinado a festivais, mostras e outros meios .

O blog gira em torno de três personagens que se relacionam pelo desejo de transformação e de seguir uma vida sem metas, com todo um caminho a ser percorrido. Em comum está o fato, também, de que essas personagens estão viajando – não somente pelo Brasil, mas por toda a América Latina – em busca de uma coisa oculta, que nem elas mesmas podem saber o que é; e fugindo de um passado, de raízes, delas mesmas. Com o futuro sem saída e com o passado terminado, as personagens - não só as três viajantes - assumem a posição de transformação contínua, em busca de nada além do próprio caminho, deixando ser diretamente afetadas pelo todo à sua volta. As personagens devem se relacionar com o meio, não pela ação, mas sim por situações óptico-sonoras, ou pela descrição puramente audiovisual.

A própria essência do cinema evidencia isso. Acredito que o código usado para decifrar o que se passa na tela é o mesmo para interpretar os signos da realidade. Não escrevo sobre o acordo entre autor e espectador em função da verdade dos fatos na obra ficcional (Umberto Eco, Bosques Possíveis). O que quero dizer é que os eventos que vivemos na realidade são sentidos e analisados através de uma mesma percepção, presente nas obras ficcionais e no mundo palpável.

O caráter miscigênico entre documentário e ficção inclui essa tese dentro do projeto: os atores não interpretam apenas o que o roteiro apresenta, mas também são livres para viver tais situações como se aquilo os pertencesse inteiramente, mas de maneira passageira, nunca definitiva. Mesmo que o amor esteja no lugar em que elas se encontram, as personagens cobiçam um outro lugar ainda desconhecido, inimaginável – elas anseiam por um futuro incerto, abrindo mão de todas as referências que podem alterar o seu destino. Entretanto, essa é a maneira como o ator se relaciona com o meio; as personagens, ao contrario, não possuem aquilo que as acontece, elas são figuras capazes de eliminar do ambiente ao seu redor e das ações que se passam a sua volta tudo aquilo que poderia ser decifrado com os signos da realidade – e também os do cinema. Tal caráter interpretativo está direcionado somente ao espectador, que deve ler esses eventos de forma individual e intransferível, assim como ele leria os mesmos acontecimentos na realidade.

O mundo pós-contemporâneo tem como uma de suas características o papel do TURISTA na sociedade, como uma coisa totalmente nova. E o século passado (e talvez parte deste) é conhecido como o século do cinema não à toa. Desde a invenção do cinema, esses turistas adquiriram maior reconhecimentos – além dos aventureiros ou exploradores, as viagens passaram a não terem um fim definido; o caminho pelo caminho. Porém, também temos as viagens forçadas. E acredito que o nosso século seja mais marcado por isso, que pelos que viajam por puro prazer. O deslocamento de populações inteiras. Onda atrás onda de emigrantes, se locomovendo por razões políticas ou econômicas, emigrando para sobreviver. O nosso é o século da viagem forçada. Se poderia ir ainda mais longe e dizer que o nosso é o século das desaparições. O século em que milhões de pessoas viram a outras pessoas muito próximas desaparecerem no horizonte, sem poder evitar. Talvez por isso resulte tão estranho que a arte narrativa própria deste século seja o cinema.

O cinema transporta a sua audiência individualmente, por separado, para FORA da sala, até o desconhecido. Quando uma peça teatral termina, os atores abandonam os personagens que representaram e se aproximam das luzes do proscênio para saludar ao público. Os aplausos que recebem é um signo de reconhecimento por terem representado o drama sobre o cenário daquela noite. Quando um filme termina, os protagonistas que ainda estão vivos devem desaparecer. Temos seguido eles, se aproximando lentamente, e finalmente, ali fora, eles têm de escapar. O cinema fala constantemente da partida.E é dessa partida que falamos nesse projeto.

No caso deste filme, ele se dividiria em dois. Um curta de 10 minutos de duração e um outro de 3 minutos. O primeiro trata da história de dois amigos brasileiros que fazem uma viagem de carro atravessando o norte da argentina, da Bolívia às cataratas de Foz do Iguaçu. No meio desse trajeto, conhecem uma outra brasileira a quem dão carona, sem saber direito o seu destino. Ela aparenta não ter para onde ir, e estar fugindo de uma coisa que ela prefere não mencionar, e aparenta não saber muito bem do que se trata. Ela usa seu charme para conseguir o que quer com esses rapazes. Uma noite, ela desaparece misteriosamente e os dois rapazes se vêem sem mais um caminho para percorrer, como se ela houvesse roubado os seus destinos.

O Segundo conta a história de Astor, em seus 50 anos de idade, relacionado à política em Buenos Aires, também brasileiro. Ele se encontra em um momento de crise, em que todo o seu império político pode ruir devido a um relacionamento com uma garota muito mais nova que ele. Para isso, ele deve buscá-la pela cidade e tentar colocar um fim nessa história. Infelizmente, ele não sabe que, na verdade, quem pretende colocar fim em alguma coisa é o deputado com quem trabalha, que tira a sua vida com uma bala no peito em pleno gabinete no Congresso. A garota que Astor buscava seria, no fim, a mesma garota que ganhou uma carona no Norte da Argentina.

É interessante como a sociedade faz adormecer as paixões humanas, e que só aquelas pessoas raras, grandes homens, excêntricos ou doidos são capazes de reacendê-las. A grande questão é que acho que a civilização tem certos deveres e princípios que são exigidos por aqueles que acreditam somente na cara ou na coroa. É exatamente essa exigência que nos aprisiona e não deixa que a sorte seja lançada de forma que a moeda nunca caia no chão, ficando sempre a girar no espaço, ora mostrando a cara, ora a coroa, mas, mais importante, unindo ambas em uma imagem só, pela força do movimento. Daí a importância da incerteza, de que nenhuma verdade é absoluta. Tudo é uma questão de como usamos a consciência. Ela não deve ser incorporada ao homem como uma vantagem sobre o restante dos animais, aquilo que Deus nos deu como privilégio - o livre arbítrio -, mas sim como o princípio de todo erro. Resgatei alguns textos em um livro muito querido, "A Gaia Ciência" do Nietzsche sobre o assunto: "A consciência é o último e derradeiro desenvolvimento do orgânico e, por conseguinte, também o que nele é mais inacabado e menos forte." ... "Sem a força reguladora dos instintos, o homem já teria sucumbido por seus juízos equivocados e seu fantasiar de olhos abertos, por sua credulidade e improfundidade, em suma, por sua consciência". É importante incorporar o saber e torná-lo instintivo.

As três personagens viajantes devem, portanto, sair de seus ninhos, não de olhos abertos, mas sim com uma carga instintiva muito forte, desenvolvida pelo saber incorporado à elas. Quando elas se cansam daquilo que está certo, essa é a hora de estender os braços, ir além, sem saber onde está o ‘desconhecido’ que desperta nelas a cobiça - que bebe da mesma fonte que o amor: a força que une reciprocamente aquilo que é delas e aquilo que as possui. Elas devem ser pessoas que não estão impregnadas por ideologias e seus princípios e deveres, mas são capazes de enxergar o mundo de tal distância que as contradições, as contraposições de tudo a tudo, deixam de ser demônios da sociedade e passam a ser essenciais para a compreensão do todo. As certezas então passam a ser extintas e tudo se torna possível e de certa forma ridículo, sendo necessário rir dos outros e principalmente delas mesmas.

É através deste conceito de busca e perda que proponho a direção destes dois filmes. É natural, que o cinema, por sua ontologia, evidencie um pensamento sobre o olhar, sobre o ato de perceber – a união entre duas instâncias: o objeto denotado e a memória deste objeto. O projeto deste curta propõe – entre outras coisas – escrever na tela assim como um registro de viagem. O cinema em sua possibilidade de indicar, mais que de produzir, é dizer, o audiovisual enquanto rastro de uma ação real. É refletir menos pela intelectualidade, e mais pela sensitividade – e então sobre o nosso tempo – nossa geração – como resultado de uma percepção. O jovem de hoje não está perdido nem centrado; a geração atual se encontra em constante movimento, em uma época de transformações política, econômicas, culturais. Para eles – para nós – só resta caminhar em busca de algo que ainda não sabemos o que é. Essa ambigüidade está na câmera na mão, os atores trabalhando não com marcações, senão com o campo: a surpresa, o instante, a espontaneidade. Com isso quero dizer sobre a imagem enquanto rastro.

Cada cena da segunda parte de “La Aventura” busca ser outra cena, tirada de algum filme da geração do protagonista, em um processo de resignificação. O personagem vive suas memórias através de imagens geradas pelo cinema. Esse é o seu campo de visão, a lente por onde ele pode olhar o mundo. A intertextualidade é caráter decisivo neste projeto desde o início: a partir do momento em que um curta dialoga com o outro de maneira recíproca; entretanto podem existir sozinhos. A conexão entre os dois é feita pelo receptor das informações – o espectador/leitor/viajante -, que relaciona as imagens que vê com outros textos fílmicos ou não, de maneira pragmática.

Na busca por esses passos – mas a partir de um outro ponto de vista, sempre novo – recorro à articulação de uma linha dramática, do uso do som e de experimentações no campo da imagem. A primeira parte do filme se baseia, ao contrario da segunda, em criar novas formas de perspectiva, através de justaposições, sons desconectados da imagem e outras técnicas que possam provocar essa nova maneira de perceber o mundo ao redor, como se tudo fosse uma grande novidade, como se a cada fotograma houvesse algo inesperado, o "desconhecido".

Octávio Tavares