SOBRE O PROJETO:

Trata-se de um projeto em que várias plataformas se juntam para a construção de material áudio-visual, plástico e textual, que se integrarão dentro de um blog na internet, com acesso aberto. O material audiovisual – curtas que se entrelaçam montando um quebra-cabeças de episódios – também está destinado a festivais, mostras e outros meios . (Leia mais em "Proposta-Base")

Obra Aberta: Todos são convidados a enviarem textos, idéias, referencias, fotografias, vídeos, que possam compor o material final.

Para leerlo en castellano: http://proyectoviajeros.blogspot.com

POSTAGENS:

terça-feira, 28 de julho de 2009

Segue abaixo um texto enviado por Lucas "Coelho" Rangel para o projeto:

O Caminhante

"...homem está só em sua solidão visceral. O Caminhante é o sujeito que se amplia pelos Caminhos que se ocultam na própria luz que revela um e outro, pontos intermináveis do infinito complexo das Sobre Vivências... A incursão tem a eternidade infinita para ousar e pretender chegar ao limiar do mistério Eu-Mundo. Nosso dever é reconhecer este estado de perplexidade entre o tempo e a morte, quando temos ante nós o silêncio a velar e desvelar perspectivas impossíveis, dualismos entre o pensar e o Ser, representações do entendimento e da percepção. Ligam-se e desligam-se conceitos oponentes, numa busca infinita da Verdade que se oculta por trás da aparência do Universo. Não há formulas que nos ensinem o significado que ultrapassa a razão. Só podemos acreditar na utopia e na Realidade de viver. Atentos calculamos as probalidades, consumindo nossa existência como quem acende velas no cais, sob o vento desgovernado e os olhares dos naúfragos extenuados - nossos irmãos - que tentam chegar à praia. Conclusão; estamos contra o mar, porque desejamos continuar vivos, assim como estamos contra a vida, porque mergulhamos em águas das quais não enxergamos a fundo."

Carmelo Ponte

domingo, 26 de julho de 2009

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AS TRÊS PERSONAGENS VIAJANTES:



"Stranger Than Paradise", Jim Jarmusch

...e sobre a maneira de interpretar um papel.
"(...) porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante - pop! - pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos 'aaaaaaah!'. Como é mesmo que eles chamavam esses garotos na Alemanha de Goethe?"

Jack Kerouac, "On The Road".

sexta-feira, 24 de julho de 2009



Jack Kerouac e Neal Cassady (referência para os dois amigos viajantes)



Referência para cor, e fotografia da 1a parte do projeto.



Maria Schneider em "The Passenger", de M. Antonioni




Michelle Williams em "Land Of Plenty", de Win Wenders



(referências para o personaje de Carolina, em "La Aventura", Parte 1 e 2)

PROPOSTA-BASE

De um projeto já pré-existente no Brasil, coordenado por mim e por Luiza Lian, surgiu a idéia para isso. O Projeto Viajantes trata de um projeto em que várias plataformas se juntam para a construção de material áudio-visual, plástico e textual, que se integrarão dentro de um blog na internet, com acesso aberto. O material audiovisual – curtas que se entrelaçam montando um quebra-cabeças de episódios – também está destinado a festivais, mostras e outros meios .

O blog gira em torno de três personagens que se relacionam pelo desejo de transformação e de seguir uma vida sem metas, com todo um caminho a ser percorrido. Em comum está o fato, também, de que essas personagens estão viajando – não somente pelo Brasil, mas por toda a América Latina – em busca de uma coisa oculta, que nem elas mesmas podem saber o que é; e fugindo de um passado, de raízes, delas mesmas. Com o futuro sem saída e com o passado terminado, as personagens - não só as três viajantes - assumem a posição de transformação contínua, em busca de nada além do próprio caminho, deixando ser diretamente afetadas pelo todo à sua volta. As personagens devem se relacionar com o meio, não pela ação, mas sim por situações óptico-sonoras, ou pela descrição puramente audiovisual.

A própria essência do cinema evidencia isso. Acredito que o código usado para decifrar o que se passa na tela é o mesmo para interpretar os signos da realidade. Não escrevo sobre o acordo entre autor e espectador em função da verdade dos fatos na obra ficcional (Umberto Eco, Bosques Possíveis). O que quero dizer é que os eventos que vivemos na realidade são sentidos e analisados através de uma mesma percepção, presente nas obras ficcionais e no mundo palpável.

O caráter miscigênico entre documentário e ficção inclui essa tese dentro do projeto: os atores não interpretam apenas o que o roteiro apresenta, mas também são livres para viver tais situações como se aquilo os pertencesse inteiramente, mas de maneira passageira, nunca definitiva. Mesmo que o amor esteja no lugar em que elas se encontram, as personagens cobiçam um outro lugar ainda desconhecido, inimaginável – elas anseiam por um futuro incerto, abrindo mão de todas as referências que podem alterar o seu destino. Entretanto, essa é a maneira como o ator se relaciona com o meio; as personagens, ao contrario, não possuem aquilo que as acontece, elas são figuras capazes de eliminar do ambiente ao seu redor e das ações que se passam a sua volta tudo aquilo que poderia ser decifrado com os signos da realidade – e também os do cinema. Tal caráter interpretativo está direcionado somente ao espectador, que deve ler esses eventos de forma individual e intransferível, assim como ele leria os mesmos acontecimentos na realidade.

O mundo pós-contemporâneo tem como uma de suas características o papel do TURISTA na sociedade, como uma coisa totalmente nova. E o século passado (e talvez parte deste) é conhecido como o século do cinema não à toa. Desde a invenção do cinema, esses turistas adquiriram maior reconhecimentos – além dos aventureiros ou exploradores, as viagens passaram a não terem um fim definido; o caminho pelo caminho. Porém, também temos as viagens forçadas. E acredito que o nosso século seja mais marcado por isso, que pelos que viajam por puro prazer. O deslocamento de populações inteiras. Onda atrás onda de emigrantes, se locomovendo por razões políticas ou econômicas, emigrando para sobreviver. O nosso é o século da viagem forçada. Se poderia ir ainda mais longe e dizer que o nosso é o século das desaparições. O século em que milhões de pessoas viram a outras pessoas muito próximas desaparecerem no horizonte, sem poder evitar. Talvez por isso resulte tão estranho que a arte narrativa própria deste século seja o cinema.

O cinema transporta a sua audiência individualmente, por separado, para FORA da sala, até o desconhecido. Quando uma peça teatral termina, os atores abandonam os personagens que representaram e se aproximam das luzes do proscênio para saludar ao público. Os aplausos que recebem é um signo de reconhecimento por terem representado o drama sobre o cenário daquela noite. Quando um filme termina, os protagonistas que ainda estão vivos devem desaparecer. Temos seguido eles, se aproximando lentamente, e finalmente, ali fora, eles têm de escapar. O cinema fala constantemente da partida.E é dessa partida que falamos nesse projeto.

No caso deste filme, ele se dividiria em dois. Um curta de 10 minutos de duração e um outro de 3 minutos. O primeiro trata da história de dois amigos brasileiros que fazem uma viagem de carro atravessando o norte da argentina, da Bolívia às cataratas de Foz do Iguaçu. No meio desse trajeto, conhecem uma outra brasileira a quem dão carona, sem saber direito o seu destino. Ela aparenta não ter para onde ir, e estar fugindo de uma coisa que ela prefere não mencionar, e aparenta não saber muito bem do que se trata. Ela usa seu charme para conseguir o que quer com esses rapazes. Uma noite, ela desaparece misteriosamente e os dois rapazes se vêem sem mais um caminho para percorrer, como se ela houvesse roubado os seus destinos.

O Segundo conta a história de Astor, em seus 50 anos de idade, relacionado à política em Buenos Aires, também brasileiro. Ele se encontra em um momento de crise, em que todo o seu império político pode ruir devido a um relacionamento com uma garota muito mais nova que ele. Para isso, ele deve buscá-la pela cidade e tentar colocar um fim nessa história. Infelizmente, ele não sabe que, na verdade, quem pretende colocar fim em alguma coisa é o deputado com quem trabalha, que tira a sua vida com uma bala no peito em pleno gabinete no Congresso. A garota que Astor buscava seria, no fim, a mesma garota que ganhou uma carona no Norte da Argentina.

É interessante como a sociedade faz adormecer as paixões humanas, e que só aquelas pessoas raras, grandes homens, excêntricos ou doidos são capazes de reacendê-las. A grande questão é que acho que a civilização tem certos deveres e princípios que são exigidos por aqueles que acreditam somente na cara ou na coroa. É exatamente essa exigência que nos aprisiona e não deixa que a sorte seja lançada de forma que a moeda nunca caia no chão, ficando sempre a girar no espaço, ora mostrando a cara, ora a coroa, mas, mais importante, unindo ambas em uma imagem só, pela força do movimento. Daí a importância da incerteza, de que nenhuma verdade é absoluta. Tudo é uma questão de como usamos a consciência. Ela não deve ser incorporada ao homem como uma vantagem sobre o restante dos animais, aquilo que Deus nos deu como privilégio - o livre arbítrio -, mas sim como o princípio de todo erro. Resgatei alguns textos em um livro muito querido, "A Gaia Ciência" do Nietzsche sobre o assunto: "A consciência é o último e derradeiro desenvolvimento do orgânico e, por conseguinte, também o que nele é mais inacabado e menos forte." ... "Sem a força reguladora dos instintos, o homem já teria sucumbido por seus juízos equivocados e seu fantasiar de olhos abertos, por sua credulidade e improfundidade, em suma, por sua consciência". É importante incorporar o saber e torná-lo instintivo.

As três personagens viajantes devem, portanto, sair de seus ninhos, não de olhos abertos, mas sim com uma carga instintiva muito forte, desenvolvida pelo saber incorporado à elas. Quando elas se cansam daquilo que está certo, essa é a hora de estender os braços, ir além, sem saber onde está o ‘desconhecido’ que desperta nelas a cobiça - que bebe da mesma fonte que o amor: a força que une reciprocamente aquilo que é delas e aquilo que as possui. Elas devem ser pessoas que não estão impregnadas por ideologias e seus princípios e deveres, mas são capazes de enxergar o mundo de tal distância que as contradições, as contraposições de tudo a tudo, deixam de ser demônios da sociedade e passam a ser essenciais para a compreensão do todo. As certezas então passam a ser extintas e tudo se torna possível e de certa forma ridículo, sendo necessário rir dos outros e principalmente delas mesmas.

É através deste conceito de busca e perda que proponho a direção destes dois filmes. É natural, que o cinema, por sua ontologia, evidencie um pensamento sobre o olhar, sobre o ato de perceber – a união entre duas instâncias: o objeto denotado e a memória deste objeto. O projeto deste curta propõe – entre outras coisas – escrever na tela assim como um registro de viagem. O cinema em sua possibilidade de indicar, mais que de produzir, é dizer, o audiovisual enquanto rastro de uma ação real. É refletir menos pela intelectualidade, e mais pela sensitividade – e então sobre o nosso tempo – nossa geração – como resultado de uma percepção. O jovem de hoje não está perdido nem centrado; a geração atual se encontra em constante movimento, em uma época de transformações política, econômicas, culturais. Para eles – para nós – só resta caminhar em busca de algo que ainda não sabemos o que é. Essa ambigüidade está na câmera na mão, os atores trabalhando não com marcações, senão com o campo: a surpresa, o instante, a espontaneidade. Com isso quero dizer sobre a imagem enquanto rastro.

Cada cena da segunda parte de “La Aventura” busca ser outra cena, tirada de algum filme da geração do protagonista, em um processo de resignificação. O personagem vive suas memórias através de imagens geradas pelo cinema. Esse é o seu campo de visão, a lente por onde ele pode olhar o mundo. A intertextualidade é caráter decisivo neste projeto desde o início: a partir do momento em que um curta dialoga com o outro de maneira recíproca; entretanto podem existir sozinhos. A conexão entre os dois é feita pelo receptor das informações – o espectador/leitor/viajante -, que relaciona as imagens que vê com outros textos fílmicos ou não, de maneira pragmática.

Na busca por esses passos – mas a partir de um outro ponto de vista, sempre novo – recorro à articulação de uma linha dramática, do uso do som e de experimentações no campo da imagem. A primeira parte do filme se baseia, ao contrario da segunda, em criar novas formas de perspectiva, através de justaposições, sons desconectados da imagem e outras técnicas que possam provocar essa nova maneira de perceber o mundo ao redor, como se tudo fosse uma grande novidade, como se a cada fotograma houvesse algo inesperado, o "desconhecido".

Octávio Tavares