SOBRE O PROJETO:

Trata-se de um projeto em que várias plataformas se juntam para a construção de material áudio-visual, plástico e textual, que se integrarão dentro de um blog na internet, com acesso aberto. O material audiovisual – curtas que se entrelaçam montando um quebra-cabeças de episódios – também está destinado a festivais, mostras e outros meios . (Leia mais em "Proposta-Base")

Obra Aberta: Todos são convidados a enviarem textos, idéias, referencias, fotografias, vídeos, que possam compor o material final.

Para leerlo en castellano: http://proyectoviajeros.blogspot.com

POSTAGENS:

terça-feira, 25 de agosto de 2009

As Cidades Invisíveis

-- Os outros embaixadores me advertem a respeito de carestias, concussões, conjuras; ou então me assinalam minas de turquesa novamente descobertas, preços vantajosos nas peles de marta, propostas de fornecimento de lâminas adamascadas. E você? -- o Grande Khan perguntou a Polo:-- Retornou de países igualmente distantes e tudo que tem a dizer são os pensamentos que ocorren a quem toma a brisa noturna na porta de casa. Para que serve, então, viajar tanto?


-- É noite, estamos sentados nas escadarias do seu palácio, inspire um pouco de vento - respondeu Marco Polo. -- Qualquer país que as minhas palavras evoquem será visto de um observatório como o seu, ainda que no lugar do palácio real exista uma aldeia de palafitas e a brisa traga um odor de estuário lamacento.

-- O meu olhar é de quem está absorto e medita, admito. Mas e o seu? Você atravessa arquipélagos, tundras, cadeias de montanhas. Seria melhor nem sair daqui.

O veneziano sabia que, quando Kublai discutia, era para seguir melhor o fio de sua argumentação; e que as suas respostas e objeções encontravam lugar num discurso que ocorria por conta própria na cabeça do Grande Khan. Ou seja, entre eles não havia diferença se questões e soluções eram enunciadas em alta voz ou se cada um dos dois continuava a meditar em silêncio. De fato, estavam mudos, os olhos entreabertos, acomodados em almofadas, balançando nas redes, fumando longos cachimbos de âmbar.

Marco Polo imaginava responder (ou Kublai imaginava a sua resposta) que, quanto mais se perdia em bairros desconhecidos de cidades distantes, melhor compreendia as outras cidades que havia atravessado para poder chegar lá, e reconstituía as etapas de suas viagens, e aprendia a conhecer o porto de onde havia zarpado, e os lugares familiares de sua juventude, e os arredores de casa, e uma pracinha de Veneza em que corria quando era criança. Neste ponto, Kublai Khan o interrompia ou imaginava interrompe-lo ou Marco Polo imaginava ser interrompido com uma pergunta como:-- Você avança com a cabeça voltada para trás? -- ou então: -- O que você vê está sempre às suas costas? -- ou melhor: -- A sua viagem só se dá no passado?Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos.Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.

-- Você viaja para reviver o seu passado? -- era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira -- Você viaja para reencontrar o seu futuro?E a resposta de Marco:

-- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá.






"As Cidades Invisíveis", Ítalo Calvino.


Enviada por Carolina Castanho

Um comentário:

  1. Amei esse texto! Adoro esse livro.
    "o melhor o tempo esconde, longe muito longe, mas bem dentro aqui"

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