SOBRE O PROJETO:

Trata-se de um projeto em que várias plataformas se juntam para a construção de material áudio-visual, plástico e textual, que se integrarão dentro de um blog na internet, com acesso aberto. O material audiovisual – curtas que se entrelaçam montando um quebra-cabeças de episódios – também está destinado a festivais, mostras e outros meios . (Leia mais em "Proposta-Base")

Obra Aberta: Todos são convidados a enviarem textos, idéias, referencias, fotografias, vídeos, que possam compor o material final.

Para leerlo en castellano: http://proyectoviajeros.blogspot.com

POSTAGENS:

sexta-feira, 24 de julho de 2009

PROPOSTA-BASE

De um projeto já pré-existente no Brasil, coordenado por mim e por Luiza Lian, surgiu a idéia para isso. O Projeto Viajantes trata de um projeto em que várias plataformas se juntam para a construção de material áudio-visual, plástico e textual, que se integrarão dentro de um blog na internet, com acesso aberto. O material audiovisual – curtas que se entrelaçam montando um quebra-cabeças de episódios – também está destinado a festivais, mostras e outros meios .

O blog gira em torno de três personagens que se relacionam pelo desejo de transformação e de seguir uma vida sem metas, com todo um caminho a ser percorrido. Em comum está o fato, também, de que essas personagens estão viajando – não somente pelo Brasil, mas por toda a América Latina – em busca de uma coisa oculta, que nem elas mesmas podem saber o que é; e fugindo de um passado, de raízes, delas mesmas. Com o futuro sem saída e com o passado terminado, as personagens - não só as três viajantes - assumem a posição de transformação contínua, em busca de nada além do próprio caminho, deixando ser diretamente afetadas pelo todo à sua volta. As personagens devem se relacionar com o meio, não pela ação, mas sim por situações óptico-sonoras, ou pela descrição puramente audiovisual.

A própria essência do cinema evidencia isso. Acredito que o código usado para decifrar o que se passa na tela é o mesmo para interpretar os signos da realidade. Não escrevo sobre o acordo entre autor e espectador em função da verdade dos fatos na obra ficcional (Umberto Eco, Bosques Possíveis). O que quero dizer é que os eventos que vivemos na realidade são sentidos e analisados através de uma mesma percepção, presente nas obras ficcionais e no mundo palpável.

O caráter miscigênico entre documentário e ficção inclui essa tese dentro do projeto: os atores não interpretam apenas o que o roteiro apresenta, mas também são livres para viver tais situações como se aquilo os pertencesse inteiramente, mas de maneira passageira, nunca definitiva. Mesmo que o amor esteja no lugar em que elas se encontram, as personagens cobiçam um outro lugar ainda desconhecido, inimaginável – elas anseiam por um futuro incerto, abrindo mão de todas as referências que podem alterar o seu destino. Entretanto, essa é a maneira como o ator se relaciona com o meio; as personagens, ao contrario, não possuem aquilo que as acontece, elas são figuras capazes de eliminar do ambiente ao seu redor e das ações que se passam a sua volta tudo aquilo que poderia ser decifrado com os signos da realidade – e também os do cinema. Tal caráter interpretativo está direcionado somente ao espectador, que deve ler esses eventos de forma individual e intransferível, assim como ele leria os mesmos acontecimentos na realidade.

O mundo pós-contemporâneo tem como uma de suas características o papel do TURISTA na sociedade, como uma coisa totalmente nova. E o século passado (e talvez parte deste) é conhecido como o século do cinema não à toa. Desde a invenção do cinema, esses turistas adquiriram maior reconhecimentos – além dos aventureiros ou exploradores, as viagens passaram a não terem um fim definido; o caminho pelo caminho. Porém, também temos as viagens forçadas. E acredito que o nosso século seja mais marcado por isso, que pelos que viajam por puro prazer. O deslocamento de populações inteiras. Onda atrás onda de emigrantes, se locomovendo por razões políticas ou econômicas, emigrando para sobreviver. O nosso é o século da viagem forçada. Se poderia ir ainda mais longe e dizer que o nosso é o século das desaparições. O século em que milhões de pessoas viram a outras pessoas muito próximas desaparecerem no horizonte, sem poder evitar. Talvez por isso resulte tão estranho que a arte narrativa própria deste século seja o cinema.

O cinema transporta a sua audiência individualmente, por separado, para FORA da sala, até o desconhecido. Quando uma peça teatral termina, os atores abandonam os personagens que representaram e se aproximam das luzes do proscênio para saludar ao público. Os aplausos que recebem é um signo de reconhecimento por terem representado o drama sobre o cenário daquela noite. Quando um filme termina, os protagonistas que ainda estão vivos devem desaparecer. Temos seguido eles, se aproximando lentamente, e finalmente, ali fora, eles têm de escapar. O cinema fala constantemente da partida.E é dessa partida que falamos nesse projeto.

No caso deste filme, ele se dividiria em dois. Um curta de 10 minutos de duração e um outro de 3 minutos. O primeiro trata da história de dois amigos brasileiros que fazem uma viagem de carro atravessando o norte da argentina, da Bolívia às cataratas de Foz do Iguaçu. No meio desse trajeto, conhecem uma outra brasileira a quem dão carona, sem saber direito o seu destino. Ela aparenta não ter para onde ir, e estar fugindo de uma coisa que ela prefere não mencionar, e aparenta não saber muito bem do que se trata. Ela usa seu charme para conseguir o que quer com esses rapazes. Uma noite, ela desaparece misteriosamente e os dois rapazes se vêem sem mais um caminho para percorrer, como se ela houvesse roubado os seus destinos.

O Segundo conta a história de Astor, em seus 50 anos de idade, relacionado à política em Buenos Aires, também brasileiro. Ele se encontra em um momento de crise, em que todo o seu império político pode ruir devido a um relacionamento com uma garota muito mais nova que ele. Para isso, ele deve buscá-la pela cidade e tentar colocar um fim nessa história. Infelizmente, ele não sabe que, na verdade, quem pretende colocar fim em alguma coisa é o deputado com quem trabalha, que tira a sua vida com uma bala no peito em pleno gabinete no Congresso. A garota que Astor buscava seria, no fim, a mesma garota que ganhou uma carona no Norte da Argentina.

É interessante como a sociedade faz adormecer as paixões humanas, e que só aquelas pessoas raras, grandes homens, excêntricos ou doidos são capazes de reacendê-las. A grande questão é que acho que a civilização tem certos deveres e princípios que são exigidos por aqueles que acreditam somente na cara ou na coroa. É exatamente essa exigência que nos aprisiona e não deixa que a sorte seja lançada de forma que a moeda nunca caia no chão, ficando sempre a girar no espaço, ora mostrando a cara, ora a coroa, mas, mais importante, unindo ambas em uma imagem só, pela força do movimento. Daí a importância da incerteza, de que nenhuma verdade é absoluta. Tudo é uma questão de como usamos a consciência. Ela não deve ser incorporada ao homem como uma vantagem sobre o restante dos animais, aquilo que Deus nos deu como privilégio - o livre arbítrio -, mas sim como o princípio de todo erro. Resgatei alguns textos em um livro muito querido, "A Gaia Ciência" do Nietzsche sobre o assunto: "A consciência é o último e derradeiro desenvolvimento do orgânico e, por conseguinte, também o que nele é mais inacabado e menos forte." ... "Sem a força reguladora dos instintos, o homem já teria sucumbido por seus juízos equivocados e seu fantasiar de olhos abertos, por sua credulidade e improfundidade, em suma, por sua consciência". É importante incorporar o saber e torná-lo instintivo.

As três personagens viajantes devem, portanto, sair de seus ninhos, não de olhos abertos, mas sim com uma carga instintiva muito forte, desenvolvida pelo saber incorporado à elas. Quando elas se cansam daquilo que está certo, essa é a hora de estender os braços, ir além, sem saber onde está o ‘desconhecido’ que desperta nelas a cobiça - que bebe da mesma fonte que o amor: a força que une reciprocamente aquilo que é delas e aquilo que as possui. Elas devem ser pessoas que não estão impregnadas por ideologias e seus princípios e deveres, mas são capazes de enxergar o mundo de tal distância que as contradições, as contraposições de tudo a tudo, deixam de ser demônios da sociedade e passam a ser essenciais para a compreensão do todo. As certezas então passam a ser extintas e tudo se torna possível e de certa forma ridículo, sendo necessário rir dos outros e principalmente delas mesmas.

É através deste conceito de busca e perda que proponho a direção destes dois filmes. É natural, que o cinema, por sua ontologia, evidencie um pensamento sobre o olhar, sobre o ato de perceber – a união entre duas instâncias: o objeto denotado e a memória deste objeto. O projeto deste curta propõe – entre outras coisas – escrever na tela assim como um registro de viagem. O cinema em sua possibilidade de indicar, mais que de produzir, é dizer, o audiovisual enquanto rastro de uma ação real. É refletir menos pela intelectualidade, e mais pela sensitividade – e então sobre o nosso tempo – nossa geração – como resultado de uma percepção. O jovem de hoje não está perdido nem centrado; a geração atual se encontra em constante movimento, em uma época de transformações política, econômicas, culturais. Para eles – para nós – só resta caminhar em busca de algo que ainda não sabemos o que é. Essa ambigüidade está na câmera na mão, os atores trabalhando não com marcações, senão com o campo: a surpresa, o instante, a espontaneidade. Com isso quero dizer sobre a imagem enquanto rastro.

Cada cena da segunda parte de “La Aventura” busca ser outra cena, tirada de algum filme da geração do protagonista, em um processo de resignificação. O personagem vive suas memórias através de imagens geradas pelo cinema. Esse é o seu campo de visão, a lente por onde ele pode olhar o mundo. A intertextualidade é caráter decisivo neste projeto desde o início: a partir do momento em que um curta dialoga com o outro de maneira recíproca; entretanto podem existir sozinhos. A conexão entre os dois é feita pelo receptor das informações – o espectador/leitor/viajante -, que relaciona as imagens que vê com outros textos fílmicos ou não, de maneira pragmática.

Na busca por esses passos – mas a partir de um outro ponto de vista, sempre novo – recorro à articulação de uma linha dramática, do uso do som e de experimentações no campo da imagem. A primeira parte do filme se baseia, ao contrario da segunda, em criar novas formas de perspectiva, através de justaposições, sons desconectados da imagem e outras técnicas que possam provocar essa nova maneira de perceber o mundo ao redor, como se tudo fosse uma grande novidade, como se a cada fotograma houvesse algo inesperado, o "desconhecido".

Octávio Tavares

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